Ensinando a ser bom, mas não ingênuo

Autor(a): Simone Raposo
Assessora educacional da Unidade Funcionários

Outro dia, ao preparar-me para uma conversa com pais de alunos adolescentes sobre o que é ser bom nos dias de hoje, repassei mentalmente algumas das muitas perguntas que as pessoas têm sobre esse assunto. Perguntas embaraçosas, muitas vezes, como estas:

Afinal de contas, como ensinar a ser bom num mundo sabidamente povoado de maldades? E essa história de fazer o bem sem a olhar a quem, quanto vale? E quanto vale mesmo ser bom? O simples ato de não fazer o mal significa que estamos quites com as leis da consciência, ou as leis da vida?

Porém, as dificuldades das pessoas vão além: o bem é uma invenção do homem ou um mandado divino? E o mal? Um e outro são relativos? Como ensinar aos nossos filhos a serem generosos, pessoas de bem, sem fazê-los resvalar para a ingenuidade? No frigir dos ovos, o que é mesmo ser bom?

Sabemos que só boa intenção, por boa que seja, não basta. Fazer o bem exige conhecimento. É definitiva a lição que avulta na história de quem sai pela floresta em busca de uma planta medicinal que não conhece, com a bondosa intenção de curar a outrem. Dependendo de boas intenções solitárias, sem o respaldo do conhecimento, o doente seguirá com a doença.

Que tipo de conhecimento é necessário possuir para fazer o bem? Das matemáticas? Sim. Sem ele o engenheiro não pode fazer os cálculos para a construção de tantas coisas. Conhecimento de geografia? Também. A menina que previu o tsunâmi, ao recordar do que havia aprendido na escola, salvou muitas vidas. E o que falar do bem trazido ao mundo pelos conhecimentos da medicina, da informática, da mecânica etc?

Mas há uma outra categoria de conhecimentos que é imprescindível cultivar. São eles os que habilitam a pessoa a discernir entre o bem e o mal, a determinar a cada passo a medida certa de uma conduta, o momento adequado para uma palavra, a forma eficaz de esboçar um gesto de bem, a fórmula inteligente do ser bom sem cair na ingenuidade. Referimo-nos ao conhecimento que a pessoa pode ter de seu mundo interno, a começar pelo conhecimento da própria mente, pois é nela que as atuações boas e más têm seu berço.

Esse voltar os olhos para o mundo interno, como tudo mais, exige conhecimento. Se aprendermos a fazê-lo conosco, certamente saberemos fazê-lo com nossos filhos. A um adolescente que certa vez me procurou, entristecido, dizendo que os colegas não quiseram incluí-lo num grupo de trabalho, perguntei: "mas por que fizeram isso?". Com o conhecimento que eu já tinha das características psicológicas mais marcantes desse adolescente, pude conduzi-lo com reflexões até um exame sincero e valente de sua conduta. Num lindo esforço, ele identificou em si a causa principal de tudo, uma causa interna. Reconheceu ter o hábito de brincar enquanto todos trabalhavam, de ser quase sempre impontual, indiferente quanto ao aprendizado, preocupando-se somente com o resultado final: a nota que seria distribuída. Chegando a esse ponto, pude ajudá-lo na formulação de um plano de mudanças, cujo modelo retirei de trabalhos análogos que eu já fizera comigo mesma, orientada pela Pedagogia Logosófica. A técnica de mergulhar nos exige, sempre, um conhecimento, seja em águas que nos prometem ostras ou emoções, seja no mundo interno próprio, onde estão as causas do bem e do mal que fazemos com nossas palavras, nossos gestos e ações.

Outro ponto importante nesse afã pedagógico é o ensinar a pensar. Quem pensa não é ingênuo e quem possui mais conhecimentos pensa melhor. É o caminho traçado pela análise do vivido, pela reflexão sobre o observado, pela solução dos por quês. Mas para ensinar isso também temos que, primeiro, aprender. É necessário o conhecimento para que exercitemos nosso pensar e ensinemos esse exercício com eficiência aos menores. E tudo começa com a distinção entre o ato de pensar e os pensamentos como entidades autônomas, como ensina a Logosofia, cuja pedagogia é pródiga no estímulo dado à alma juvenil para a vivência consciente do sentimento de camaradagem, do afeto fraterno, da bondade verdadeira, que não se confunde com o sentimentalismo ou com a ingenuidade. Pedagogia que leva em conta ser "muito importante que o espírito de colaboração presida constantemente o ânimo do ser na juventude. Dulcificará, assim, a existência daqueles que o rodeiam e desfrutará por sua vez do bem que outros possam oferecer-lhe; tudo isso usando tão-somente o sentimento de fraternidade humana. Todo gesto generoso, todo oferecimento de ajuda, ainda que nas coisas mais simples, cultiva a simpatia e desperta sãs reações de amizade e sinceridade”.

Crianças e adolescentes necessitam sempre de estímulos sadios e nobres, vindos de quem já os tenha; necessitam de raciocínios vigorosos e férteis sobre sua conduta, vindos de quem já aprendeu a fazê-los. Nos dias que correm, é cada vez mais urgente orientá-los sobre as experiências instrutivas das lutas diárias, sobre o modo de conduzir-se e, principalmente, sobre a importância que a edificação de seu futuro tem para eles mesmos e para a sociedade.